As aulas voltaram faz pouco tempo, mas já rolou um estranhamento na minha turma. Tudo por conta de uma professora substituta.
Calma, eu vou contar toda história!!!
Chegamos na escola, depois de alguns dias de recesso. Já prontos na carteira para começar a assistir a aula. Ela chegou com um sorriso enorme de bom dia. Ela era a professora substituta das aulas de história, ela escreveu o seu nome na lousa– BEATRIZ - e cortou o seu nome ao meio dizendo, como iremos ficar juntos até o final do ano, vocês têm a liberdade de me chamar de Bea. Eu tenho a lista com o nome de todos vocês, mas acho que é melhor cada um se apresentar.
Eu fiquei chocada, na verdade muito contente com a primeira abordagem da Bea. Ela foi bem assertiva mesmo, já que iremos passar quase seis meses juntos, o melhor seria que nós nos conhecer. Todos ficaram meio sem saber o que fazer, e sem perder tempo, a Bea logo se apresentou, dizendo onde morava, qual tinha sido a última escola que deu aula, e suas motivações como professora. E jogou a bola para turma para se apresentar, e cada um foi se apresentando uns com mais e outros com menos dificuldade, foram inclusive, dizendo se gostavam ou não da matéria e o porquê. Foi bem interessante essa interação inicial até o momento que um dos meninos - tinha que ser né? - Perguntou se ela era comprometida. Ela sem pestanejar, respondeu que sim. Que além de ter uma companheira, ela também é comprometida com muitas outras coisas nesse mundo. E foi aí que o burburinho começou. O mais legal, foi que a professora quis saber mais o porquê de tanto burburinho.
Como assim professora, a senhora tem uma companheira? Perguntou um dos meninos lá do fundão. Ela com muita tranquilidade respondeu, sou casada com outra mulher. Isso não é tranquilo para você? Jogou a pergunta para turma. Alguns olharam com interesse e outros meio de rabo de olho. Mas isso geralmente acontece por que pensamos que o professor ou a professora não tem uma vida para além da sala de aula. E claro, em muitas escolas esse assunto é um tabu e poucas pessoas tem coragem como a Bea de discutir abertamente. E olha, vou te dizer que isso rendeu a aula toda, claro com algumas interrupções bem calorosa de alguns estudantes que não concordavam, inclusive um desse estudantes questionou: Isso é aula de história ou de sexualidade?
Parece que a professora estava esperando essa pergunta. Ela simplesmente respondeu. Bem pode ser as duas coisas, pois tudo está ligado a história. Ela pegou o giz e escreveu bem grande no quadro (em algumas regiões se escreve Lousa) “1996”. Quem de vocês era nascido nessa época?
Nenhum de nós, pois, a maioria da turma nasceu de no ano de 2002 para lá. Foi aí que ela, nos localizou na história. Eu fui lá só tomando nota. Ela disse que nesse ano aconteceu no Brasil o 1º Seminário Nacional de Lésbicas e bissexuais. E nesse seminário escolheram o dia 29 de agosto como o dia nacional da visibilidade lésbica. O mês de agosto depois dessa data virou um mês de referência e marco de luta das mulheres. Não é o um máximo?!
Completou dizendo que infelizmente, há muitos motivos que justificam a criação dessa data, pois nossa sociedade ainda ignora a realidade das mulheres lésbicas, negando a representatividade lésbica em diversos espaços ou inviabilizando pesquisas e ações sociais próprias para a realidade dessas mulheres.
As mulheres lésbicas, são alvo de violência simbólica, verbal, psicológica, física e econômica em todos os espaços: na família, na rua, nos hospitais, na escola e no trabalho. Essas opressões são impostas pela sociedade patriarcal, causa muito sofrimento, podendo provocar a negação da própria sexualidade, afastamento de familiares, a construção de uma vida dupla e, em alguns casos, suicídio. A Bea mandou muito bem né?! E continuou trazendo mais informações, como a questão da violência que sofrem essa mulheres: Dentre as expressões mais extremas de violência contra lésbicas existe do chamado estupro “corretivo” ¹, prática cruel, que é movida pela intolerância à orientação sexual das mulheres lésbicas. É importante ressaltar que as mulheres lésbicas negras e/ou periféricas estão ainda mais vulneráveis a essas diferentes formas de violência.
A turma todo ficou chocada, pois, embora muitos estudantes ali se veem heterossexuais, não imaginavam que fatos como esse ainda ocorre com amigas e conhecidas. Outro choque também, foi a forma que a professora usou para aproximar esse fato histórico de uma conquista das mulheres lésbicas e bissexuais ao nosso cotidiano. E por fim, ela falou que nas próximas aulas ela iria debater com a gente sobre machismo, patriarcado e feminismo. Aí um dos meninos meio para tirar a seriedade da discussão, falou que ela estava pregando sobre a ideologia de gênero e que a escola deveria ser sem partido.
Aí a Bea respondeu na classe: Nós professores, temos o papel de saber ouvir o que nossos estudantes querem dizer. A sexualidade, tão explorada algumas vezes, ainda é tratada como um tema proibido nas escolas. A nossa sala de aula deve ser um local para que vocês estudantes, possam expor seus questionamentos, desmitificar alguns assuntos, quebrar tabus e principalmente, poder colocar para fora todos os seus sentimentos. Nas minhas aulas, vocês não serão apenas meros ouvintes, quero que sejam ativos e participativos na discussão do tema. Depois vamos discutir com calma sobre o que é essa tal de Ideologia de gênero e escola sem partido, tudo dentro de uma base do estudo da história.
Lacrou não foi? Eu achei. Bem para finalizar a aula ela passou esse vídeo, achei super massa. E vim pra casa pensando... Será que as professoras e os professores não falam sobre sua sexualidade e orientação sexual por medo? E você o que acha?
Deixa aí nos comentários.
1- O estupro corretivo é uma violência sexual em que homens estupram
mulheres lésbicas como um modo de "corrigir" suas sexualidades.
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