segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Juventude e sexualidade: papo reto e necessário


Texto de contribuição  ao boletim virtual n° 51 da Campanha ANA  - Por Fernanda Godinho com colaboração de Bárbara Pansardi e Viviane Coelho. Integrantes do Fórum das Juventudes da Grande BH

A juventude, fase da vida que compreende dos 15 aos 29 anos, é marcada por transformações de diversas ordens: mudanças no corpo, maior independência da família, construção da autonomia, ingresso no mercado de trabalho… Trata-se de um período de desenvolvimento (pessoal e social) e constituição da nossa identidade. Por isso mesmo, jovens demandam particular atenção ao conjunto integrado de suas necessidades físicas, emocionais, psicológicas, cognitivas e sociais.

O reconhecimento da juventude como este momento da vida com singularidades e demandas específicas contribuiu para que, em 2013, fosse aprovada uma legislação que versa sobre os direitos das/os jovens, apontando também diretrizes para as políticas públicas voltadas para essa população: o Estatuto da Juventude. Entre os temas abordados pela lei, está o direito à diversidade e à igualdade, compreendendo nesse âmbito questões como gênero e orientação sexual.

A sexualidade, cujo florescimento se dá na adolescência, é um campo que merece especial cuidado e atenção entre nossas/os jovens. A despeito da importância do corpo e seus afetos como aspectos relevantes e constituintes do mundo juvenil, o assunto ainda é encarado como tabu. De um modo geral, traveste-se a discussão de um viés pretensamente científico que aborda, quase que exclusivamente, a anatomia dos órgãos reprodutores e as DSTs (doenças sexualmente transmissíveis). No campo da diversidade sexual, quando muito, limita-se a um discurso de respeito e tolerância (genérico e aplicável a qualquer situação de violação ou preconceito) — o que é absolutamente insuficiente. Faltam dispositivos efetivos de problematização e de proteção. A não discussão desses temas, seja no contexto da escola, da família, da saúde, dentre outros espaços de socialização das juventudes, perpetua a naturalização de piadas, brincadeiras e humilhações deflagradas contra a população LGBTIQ, que se dão tanto de forma expressamente homofóbica quanto através de manifestações mais sutis.

Vejamos um exemplo. Eu nunca fui um padrão de feminilidade. Desde cedo já não me sentia confortável com cores, roupas, comportamentos e brincadeiras que as pessoas entendem como femininas. Eu reclamava de ter que usar saias, vestidos e laços cor de rosa; gostava mesmo dos moletons, bermudas e tênis, que me faziam sentir mais à vontade. Uma das coisas que mais me incomodava era ter que usar a parte de cima do biquíni quando ia para os clubes ou praias. Não conseguia entender o porquê de ter que usar aquele sutiã que apertava e coçava tanto, sendo que nem seios eu tinha. O que eu estava escondendo? Resisti até os 7 anos, quando vieram os risos dos outros, as chacotas e os questionamentos sobre eu querer ser um menino. Nesse momento, passei a usar a
parte de cima do biquíni e ainda aderi ao batom – roubado de minha mãe – para reafirmar que eu era garota. Naquela idade, obviamente, eu não tinha consciência sobre sexualidade ou orientação sexual, mas eu já sentia nos olhares dos outros, principalmente dos mais próximos, que a expressão do meu corpo era equivocada e que eu frustrava a expectativa das pessoas que estavam ao meu redor.

Obviamente, isso também se manifestou no ambiente escolar. Os momentos de maior sofrimento vinham, contraditoriamente, na aula que eu mais gostava: Educação Física. Eu adorava esporte e tinha uma habilidade muito grande com vôlei, futebol, handebol e basquete, mas na minha escola as meninas faziam Educação Física separadas dos meninos e basicamente eram aulas de dança — nas quais eu era um desastre. Depois de muita briga, minha mãe conseguiu garantir minha participação nas modalidades esportivas e campeonatos escolares. Como eu tinha boas habilidades, era muito solicitada e ovacionada por minhas/meus colegas de turma nesses momentos, mas logo que as competições passavam eu novamente me tornava a “mulher macho”, “maria sapatão”, “paraíba masculina” da escola. Era confrontada sobre minha sexualidade e identidade de gênero todo o tempo.

Nunca me senti acolhida no ambiente escolar. A escola nunca problematizou o que acontecia comigo e com outras/os várias/os colegas que também eram como eu. Com isso, muito da violência sexista e heteronormativa foi internalizada e eu não me permiti sequer entender o que os meus desejos por outras mulheres significavam. Apenas aos 22 anos, já na graduação, me reconheci como lésbica. Esse entendimento — de me reconhecer lésbica e feminista — ainda está em construção, numa busca constante por informação e espaços de discussão, que, aos poucos, vencem a violência dessa cultura na qual estamos todas/os imersas/os.

Assim como eu, milhões jovens passam por conflitos e sofrimentos parecidos – e possivelmente de uma forma mais intensa e violenta — em nome de uma conduta que corresponde à expectativa social de feminilidade e masculinidade. É urgente que sejamos capazes de escutar e dialogar com as crianças, adolescentes e jovens sobre sua sexualidade, seja na família, na escola ou em outros espaços comunitários, tornando-os ambientes democráticos e dialógicos, nos quais as diferenças entre as pessoas não se desdobrem em desigualdades, hierarquias e marginalizações. O direito à diversidade é imprescindível para garantir o desenvolvimento integral das/os jovens e a construção das identidades de maneira saudável e respeitosa.

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