segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Como seria uma cidade favorável às demandas LGBTI?


Posted on 1 de outubro de 2016 by Clipping LGBT
Mirthyani Bezerra
Publicado pelo portal UOL

Se você nunca teve problema para acessar um banheiro público, ficou constrangida(o) em ter de mostrar o RG no posto de saúde nem temeu pelas reações ao demonstrar afeto pelo(a) “crush” na rua, é possível que você não seja trans nem homossexual.

Existe uma parcela da população que enfrenta essas situações diariamente: os LGBTs. Para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, tão cidadãos quanto qualquer um, vivenciar algumas dessas situações cotidianas pode significar um problemão.

Isso tudo porque as cidades não costumam ser inclusivas para quem sai do padrão. Entidades ligadas a essa comunidade dizem que ainda falta muito para que se sintam incluídos. E faltam principalmente direitos.

Apesar de as leis serem federais em sua maioria, é a administração municipal quem vai efetivar os direitos dessa comunidade nos seus serviços de educação, saúde e assistência social.

Daí, a importância de observar as plataformas dos candidatos que irão comandar as prefeituras e vão legislar no município a partir do ano que vem.

Não é possível hierarquizar as demandas, porque a comunidade LGBT não é homogênea e comporta uma grande variedade de pessoas dentro dessas quatro letrinhas. O UOL listou seis delas e as pintou com as cores do arco-íris que serve como símbolo da luta LGBT por igualdade de direitos, já que a administração pública deve ser para todos.

NOME SOCIAL

O simples fato de ter o nome chamado em voz alta dentro de uma sala de aula ou em um consultório médico
pode ser um calvário para transexuais e travestis, porque o nome que está no RG em geral não coincide com a identidade de gênero que essas pessoas assumiram.

O debate sobre o uso do nome social (o nome com que se identificam) no Brasil tem mais de 20 anos. Há leis, assegurando esse direito, em esferas municipais, estaduais e federal. Por exemplo, Natal, São Paulo e João Pessoa têm legislação para garantir o uso do nome social nos serviços da prefeitura.

“Se vamos a um posto de saúde, por mais que tenha uma portaria do SUS dizendo que quem se sente constrangido com o nome de registro pode ser chamado pelo nome social, é comum não termos esse direito respeitado“, conta Indianara Siqueira, 45, travesti e candidata a vereadora no Rio.

Para os ativistas LGBTs, o problema vai além. “O decreto é só uma gambiarra para evitar constrangimento. O maior problema enfrentado por quem é trans é a documentação”, conta o psicólogo João Nery, 65.

Nery é o primeiro homem trans do Brasil a retirar os órgãos femininos e dá nome ao projeto de lei 5002/2013, de autoria dos deputados Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Erika Kokay (PT-DF), que pretende desburocratizar e desjudicializar o processo de mudança de nome no registro civil.

Mudar o nome do registro civil no Brasil é um longo e demorado processo, que depende de decisão judicial e laudos médicos.

No fim das contas, as nossas vidas sempre estão nas mãos dos outros, nunca nas nossas.
João Nery, psicólogo

“Também não adianta ter o direito reconhecido por decreto se, na hora do acolhimento, [o funcionário] não sabe lidar com isso”, afirma Adriana Galvão de Moura Abilio, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo).

CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA

A criminalização da homofobia é uma das principais demandas da comunidade LGBT. A preocupação se
explica em números: no Brasil um homossexual morre a cada 28 horas de forma violenta. A realidade, no entanto, pode ser bem pior do que revelam as estatísticas.

É que não dá para saber exatamente quantos homossexuais são vítimas de violência, porque os boletins de ocorrência não têm um campo relativo à orientação sexual, identidade de gênero ou possível motivação homofóbica. Nem as secretarias estaduais são obrigadas a informar esses dados à União –e a falta de informações impacta na formulação de políticas públicas.

“A falta da lei dificulta a notificação dos casos”, afirma Fernando Quaresma, presidente da Associação da Parada do Orgulho Gay de São Paulo.

Houve um projeto de lei (PL 122/2006) de criminalização da homofobia, que foi arquivado em 2015 no Senado, após tramitar por mais de oito anos sem avançar. “A discussão da criminalização da homofobia foi para dentro das discussões gerais de possíveis mudanças no Código Penal. Ou seja, vai demorar”, diz Adriana Galvão.

A responsabilidade pela segurança pública é essencialmente do governo estadual. Mas o município também pode enfrentar esse problema –por exemplo, com bom treinamento da guarda municipal para que ela não seja homofóbica ou com medidas de segurança que atingem todos, como iluminação pública.

FALAR DE GÊNERO NA ESCOLA
Viviany Beleboni, hoje com 28 anos, era só um garotinho quando começou a ser chamada de “viadinho”
pelos colegas da escola. “Eles derrubavam meu livro no chão, me batiam no recreio. Uma vez fizeram um corredor polonês”, diz.

Quase duas décadas depois, Viviany foi “crucificada” à Parada do Orgulho Gay de São Paulo para denunciar a violência sofrida pelos LGBTs todos os dias. Para ela,tudo seria diferente se na escola falassem sobre o que é ser LGBT, entre outras questões relacionadas ao gênero.

“Tenho uma amiga trans que morreu com sete tiros na esquina onde eu trabalhava. A gente só vai conseguir evitar crimes como esses se a questão de gênero começar a ser discutida nas escolas”, afirma Beleboni.

Mas o tema se tornou tabu nas casas legislativas. No ano passado, a ideia de incluir essa questão nos planos de educação provocou protestos em plenários por todo o Brasil.

Com a retirada do PNE (Plano Nacional de Educação), que é da esfera federal, houve um efeito em cascata e o assunto também ficou de fora dos planos estaduais e municipais.

O fato de o plano não ter incluído as questões de gênero na lei –o que seria uma garantia– não significa que os educadores, inclusive da rede municipal, estejam proibidos de tocar no assunto, sempre trazendo temáticas de acordo com a idade das crianças e adolescentes.

Segundo Fernando Quaresma, a discussão de gênero não evitaria apenas que LGBTs sofressem agressão ou deixassem a escola. “Falar sobre gênero na escola passa pela discussão do papel da mulher na sociedade, pelo combate ao machismo.”

Mas só educação não basta. “Tem muita gente que, apesar de receber uma boa educação, não aprende. Então, é preciso ter uma lei que puna os atos homofóbicos”, afirma ele.

HUMANIZAÇÃO NA ÁREA DE SAÚDE

Você voltaria a uma clínica ou hospital cujos funcionários ou médicos lhe atenderam mal ou até humilharam? Algumas travestis e transexuaisdeixam de procurar serviços de saúde depois de serem tratadas por “ele” ou
quando não têm o seu nome social respeitado, na recepção ou durante o atendimento médico.

“Falta o respeito ao nome social, à identidade de gênero e à orientação sexual. E é do serviço de saúde que podem vir dados importantes sobre violência contra a comunidade LGBT”, diz Carlos Magno Fonseca.

Mesmo que haja portarias que regulam as condutas dos profissionais da saúde, eles precisam estar sensibilizados. “Os médicos precisam ter em mente que a lésbica, por exemplo, tem uma vida sexual diferente de uma mulher cis-heterossexual. Se ela é maltratada, não volta mais lá, vai deixar de fazer o papanicolau. O homem vai deixar de examinar a próstata”, diz Fernando Quaresma.

Se você não entendeu o que é “cis-heterossexual” a gente explica: “cis” é quem se identifica com o sexo biológico de nascimento (definido pelos órgãos genitais) e “hétero” é aquele que se sente atraído ou atraída sexualmente por pessoas do sexo oposto. Uma pessoa pode ser cis ou trans e também homo ou heterossexual.

E existe ainda a questão da utilização dos banheiros e dos leitos. “As travestis querem ficar na ala feminina, e não na masculina. É preciso ter um SUS preparado para atender as pessoas, respeitando a sua identidade de gênero”, afirma Adriana Galvão.

Dentro do SUS (Sistema Único de Saúde), os três entes da Federação –União, Estado e município– trabalham em parceria. A prefeitura é responsável direta pela saúde do morador da cidade. Daí a importância, para o público LGBT, de haver leis e políticas municipais que respeitem suas particularidades.

COLOCAÇÃO PROFISSIONAL

Vítimas de preconceito, sem estudos e sem o apoio da família, 90% da população trans acabam na
prostituição, segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).

“Não que tenha algo errado em se prostituir, mas, se ela quiser sair e entrar no mercado formal de trabalho, vai precisar de ajuda”, afirma Carlos Magno Fonseca, presidente da ABGLT.

Entidades ligadas aos direitos trans são unânimes em apontar a necessidade de programas governamentais que proporcionem alternativas de capacitação e emprego para essa população. Eles citam como exemplo o Transcidadania, executado pela Prefeitura de São Paulo. Hoje, o programa dá uma bolsa de R$ 910 para que as travestis voltem a estudar.

Segundo Fonseca, outras iniciativas podem fazer parte de programas que já existem.

“Se há um conjunto de empresas que recebem trabalhadores encaminhados pelas agências de trabalho das gestões municipais, é possível capacitá-las para que recebam trabalhadores LGBTs, por exemplo. Ou seja, é um programa que já existe, mas que pode ser adaptado para atender a nossas especificidades”, aponta Fonseca

DIREITO À FAMÍLIA
Casada há 13 anos, a jornalista Marcela Matos, 47, conta que precisou contratar um advogado para
conseguir incluir seu nome no registro civil do terceiro filho do casal –as mulheres queriam seus nomes no documento. Francisco, hoje com três anos, foi gerado por inseminação artificial.

“Em 2013, quando ele nasceu, saiu da maternidade só com o nome da minha mulher. Fomos direto a um cartório para incluir o meu nome, eles mandaram o pedido para um juizado, mas não resolveu. Enquanto o processo rolava, quase não consegui vacinar meu filho, porque legalmente eu não era nada dele”, diz Marcela, que é mãe de outros dois filhos, ambos adotados.

Hoje está mais fácil adotar uma criança por causa de uma decisão de 2015 da ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia –ela reconheceu o direto de adoção para um casal homoafetivo. “Mesmo assim, alguns casais só conseguem adotar com o nome de um deles. Além disso, esse direito está sendo ameaçado pela proposta do Estatuto da Família, que diz que família só é a composta por homem, mulher e filhos”, afirma Carlos Magno Fonseca, presidente da ABGLT.

Casar de “papel passado” é um direito conquistado pelos LGBTs. Em 2011, uma decisão unânime do STF equiparou a união homossexual à heterossexual, o que passou a garantir a esses casais direitos como pensão, herança e adoção. Dois anos depois, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) obrigou todos os cartórios a celebrarem casamentos entre pessoas do mesmo sexo. “Foi a maior conquista que nós tivemos nos últimos anos”, diz Fonseca.

Ainda falta

Essa comunidade ainda tem um longo caminho a percorrer para garantir seus direitos.
“Temos um Poder Legislativo muito conservador, que não discute nenhum projeto de lei a favor da comunidade LGBT. Recorrer ao STF tem sido uma forma de driblar esse Legislativo”, diz o presidente da ABGLT, Carlos Fonseca.
O psicólogo João Nery concorda com essa visão: “O projeto de lei da identidade de gênero, por exemplo, foi aprovado por algumas comissões, mas está parado. Queremos que haja uma mudança de mentalidade. Estamos esperando o resultado das próximas eleições para ver o que acontece”.

O que é cada letra

Lésbicas: São pessoas que se identificam como mulheres e se atraem por outras que também se identificam como mulheres.

Gays: São pessoas que se identificam como homens e se atraem por outras que também se identificam como homens.

Bissexuais: São pessoas que se identificam como mulheres ou como homens e se atraem tanto por quem se identifica como mulher ou como homem.

Transexuais: Homens ou mulheres que não se identificam com o seu sexo biológico, podendo ou não ter feito a cirurgia de adequação. A definição não está relacionada com a orientação, a atração sexual.

Travestis: Termo usado no Brasil para designar quem se identifica com o sexo oposto ao do nascimento, faz alterações no corpo, mas não deseja realizar cirurgia de adequação sexual.

Intersexo: É o termo comummente usado para designar uma variedade de condições em que uma pessoa nasce com uma anatomia reprodutiva ou sexual que não se encaixa na definição típica de sexo feminino ou masculino.

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