Por Eduardo Paysan Gomes[1]
De acordo com Relatório Global
divulgado pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, em 2008, havia 215
milhões de crianças e adolescentes entre 05 e 17 anos trabalhando, no mundo,
sendo 115 milhões envolvidos nas suas piores formas.
Nos últimos anos, o Brasil vem se
empenhando, seriamente, com vistas à redução do trabalho infantil, tendo
atingido considerável redução de sua ocorrência. Conforme dados oficiais da
PNAD/IBGE, houve redução de 56% da taxa de crianças e adolescentes entre 05 e
17 anos inseridas no trabalho infantil, entre os anos de 1992 e 2011.
Tal fato pesou sobremaneira na
decisão de ter sido realizada
aqui, no Brasil, em outubro do ano passado (2013), a III Conferência Global
sobre Trabalho Infantil, com os seguintes objetivos: 1) Fazer um balanço dos
progressos realizados desde a adoção da Convenção n.º 182 da OIT (Piores Formas
de Trabalho Infantil); 2) Avaliar os obstáculos e propor medidas para acelerar
o progresso na eliminação das piores formas de trabalho infantil; 3) Propiciar
a troca de experiências sobre as estratégias adotadas pelos países
participantes para o enfrentamento do trabalho infantil.
O documento orientador da III
Conferência Global refere-se ao conceito de trabalho infantil a partir do texto
das Convenções n.ºs 138 e 182 da OIT, sendo todo tipo de atividade laboral
realizada por crianças e adolescentes em desacordo com a idade estabelecida em
lei para a permissão da entrada no mercado de trabalho, atividade que viola os
seus direitos fundamentais e pode ser remunerada ou não, realizada para o
mercado ou não, eventual ou não.
No Brasil, conforme a Lei n.º
8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), em
seu artigo 60: “É proibido qualquer trabalho a
menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz.”
Esse dispositivo
encontra amparo na nossa Constituição Federal de 1988, que no inciso XXXIII, do
seu artigo 6º, dispõe: “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a
menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na
condição de aprendiz, a partir de quatorze anos” (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 20, de 1998)
O
envolvimento de crianças e adolescentes no trabalho infantil prejudica o seu
desenvolvimento saudável, além de contribuir para a queda do rendimento
escolar, distorção idade/série e evasão escolar, que, por conseguinte, vão
contribuir para formar futuros(as) trabalhadores(as) desqualificados(as) e com
baixa remuneração, desenvolvendo um ciclo perverso, que perpetua a pobreza
entre várias gerações de suas famílias.
Para
pôr um fim a essa realidade, uma série de esforços internacionais vêm sendo
desenvolvidos, dentre os quais vale destacar a instituição, em 2002, do dia 12
de junho como “Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil”. Em 2006, a OIT lançou
um Plano Global de Ação, que estabeleceu medidas urgentes a serem adotadas
pelos países para a eliminação do trabalho infantil.
Devemos
considerar que grande parte da redução do trabalho infantil verificada no
Brasil deve-se a(o):
- Reconhecimento
oficial do problema (anos 90);
- Legislação
avançada;
- Política
ativa de Estado;
- Informações
Estatísticas consistentes;
- Avanço
na Base de Conhecimento;
- Políticas
Nacionais: redução da pobreza, aumento do salário mínimo, geração de
emprego, extensão da proteção social, educação: extensão da escolaridade
obrigatória, escolas de tempo integral);
- Intersetorialidade.
Neste
mesmo momento histórico, no Brasil, assumimos o compromisso de erradicação das
piores formas do trabalho infantil até o ano de 2016 e de todas as formas de
trabalho infantil até o ano de 2020.
De
acordo com os dados da PNAD/IBGE, de 2011, as crianças e adolescentes
ocupados(as) concentram-se nos seguintes percentuais: 24,2% entre os 15 e 17
anos (2.557.000 adolescentes); 6% entre os 10 e 14 anos (1.027.000 crianças e
adolescentes); e 0,6% entre 05 e 09 anos (89.000 crianças).
Porém,
identifica-se a necessidade de adotar novas estratégias para continuar a
avançar na erradicação do trabalho infantil. Exemplo do desafio a ser
enfrentado é a constatação de que grande parte das famílias mesmo estando
inseridas em programas de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família
(PBF) e cumprindo a condicionalidade de manutenção de seus/suas filhos/as na
escola, esses/as crianças e adolescentes ainda são encontradas em atividades
laborais precoces.
Portanto,
embora o país tenha avançado na erradicação da extrema pobreza (miséria),
muitas das crianças e adolescentes encontram outras motivações para o trabalho
infantil, não sendo somente a tradicional justificativa de ajudarem seus pais
no sustento da família, a fim de garantir a sua alimentação, por exemplo.
Devido à complexidade de tais
demandas, o enfrentamento a tais questões só é possível mediante uma ação
articulada entre as diversas políticas públicas, construindo-se uma
intersetorialidade entre as políticas de: assistência social, educação,
qualificação profissional, geração de trabalho e renda, saúde, segurança
pública, etc.
Devemos
ressaltar, ainda, que existem diversos outros desafios para atingir às metas
propostas, haja vista, principalmente, que, dentre as piores formas de trabalho
infantil, encontram-se: trabalho no narcotráfico, exploração sexual, etc.
Dentre
as questões complexas a serem enfrentadas existe um fator que não costuma ser
apresentado nos documentos dos organismos internacionais ou mesmo do governo
brasileiro, que diz respeito à própria lógica capitalista do consumo na qual
nossos(as) jovens se encontram inseridos(as), a partir da forte publicidade a
que são expostos(as), através dos grandes meios de comunicação de massa.
Considerando
serem pessoas em condição peculiar de desenvolvimento encontram-se ainda mais
vulneráveis aos mecanismos e estratégias utilizados pela propaganda e marketing
de massa, de forma que acabam por construir sua identidade e pertencimento à
sociedade a partir da lógica de “possuir”, ao invés da lógica do “ser”. Assim,
só se considera que alguém tem valor dentro da sociedade a partir do status adquirido
com o consumo de produtos de determinadas marcas. Portanto, o valor de cada ser
humano é considerado secundário. Resumindo: você vale pelo que você tem.
O
reposicionamento de uma cultura que (re)valorize o ser humano, no nosso
entendimento, deve ser trabalhado de forma exaustiva nos diversos espaços
educativos da sociedade, considerado não somente o ambiente da educação formal.
Pelo contrário, consideramos fundamental reforçar esquemas articulados com a
educação popular, que tenham penetração entre as comunidades empobrecidas,
envolvendo os pais das crianças e adolescentes trabalhadores(as), a fim de
reforçar sua educação para o exercício pleno da sua cidadania.
É preciso que esses espaços
comunitários educativos, a partir de metodologias adequadas, propiciem a
revisão de suas próprias histórias de vida, marcadas por diversas violações,
para que não as reproduzam através de seus/suas filhos/as (de forma
irrefletida) e possam resignificar suas histórias, criando oportunidades para
que eles/as construam um futuro de sujeitos com seus direitos garantidos.
Além
do mais, em se tratando de ações voltadas para o público infanto-juvenil, a
demanda é por ações articuladas entre os órgãos que compõem o Sistema de
Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA), dentre os quais
podemos citar: Conselhos Tutelares, Conselhos de Direitos, Defensoria Pública,
Ministério Público, Tribunal de Justiça, Centros de Defesa da Criança e do
Adolescente, Frentes, Fóruns, Redes e Comitês, que articulam a Sociedade Civil
Organizada.
Ou seja, conforme o art. 227, da
Constituição Federal de 1988, é um dever de toda a sociedade, assegurar o
cumprimento dos direitos infanto-juvenis, com absoluta prioridade.
No
contexto da Copa das Confederações 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014, foi
articulada a chamada Agenda de Convergências pela Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República, a partir de demandas pautadas pelas Redes
Nacionais de defesa da criança e do adolescente.
A
preocupação maior trazida por essas Redes Nacionais se pauta no aumento das
violações aos direitos infanto-juvenis que é identificado em mega eventos, em
diversos países do mundo, considerando estar entre os públicos mais vulneráveis
da sociedade.
Sendo
assim, uma série de iniciativas protetivas passou a ser articulada de forma
preventiva, buscando articular os segmentos governamentais e não
governamentais, em todos os níveis federativos e, inclusive, com o apoio de
organizações internacionais de proteção à infância e juventude. Daí porque se
denomina esse processo de construção coletiva de “Agenda de Convergências”.
Já
em 2013, se instituiu o seu Comitê Local de Proteção Integral a Crianças e
Adolescentes nos Grandes Eventos de Pernambuco, que é constituído por
articulação entre entidades governamentais e redes/fóruns/movimentos da
sociedade civil organizada.
O Comitê Local de Pernambuco vem
trabalhando de forma intensiva para o aprimoramento do trabalho em rede,
buscando sempre envolver novos atores que estão implicados na resolução da
histórica violação dos direitos infanto-juvenis. Essa experiência tem
construído um espaço privilegiado de articulação dos três eixos do SGDCA:
promoção, defesa e controle social.
Em relação ao trabalho infantil,
por exemplo, podemos citar bons frutos, como o processo de aproximação e
construção de uma agenda conjunta entre duas instâncias importantes da defesa
dos direitos da criança e do adolescente no Estado: Rede de Combate ao Abuso e
à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes de Pernambuco e Fórum de Prevenção
e Erradicação ao Trabalho Infantil em Pernambuco - Fepetipe -, desde o
reconhecimento da exploração sexual como uma das piores formas do trabalho
infantil.
Contribui para essa aproximação
entre instâncias com enfoques de trabalho diversos o reconhecimento de que mais
importante do que enxergar aos diferentes tipos de violações de direitos de
forma segmentada, é fundamental garantir a proteção integral a crianças e
adolescentes.
Ambas/os Rede e Fórum fazem parte
do Comitê Local de Pernambuco e estão implicados junto a diversos atores no
âmbito dos Municípios e Estado para a construção, por exemplo, dos fluxos de
atendimento a crianças e adolescentes com direitos violados nos grandes
eventos.
A articulação das 12 cidades-sede
da Copa do Mundo FIFA 2014 também vem propiciando o intercâmbio de boas
práticas e a padronização de procedimentos de intervenção e instrumentais de
coleta de dados, a fim de constituir uma base de dados nacional e possibilitar
uma avaliação mais consistente dos verdadeiros impactos do mega evento em
questão no nosso país.
A preocupação maior de todos/as
envolvidos/as é garantir a continuidade dessas articulações para além do mega
evento, constituindo em um efetivo legado social do mesmo, conquistado através
do exercício legítimo e comprometido do controle social da sociedade civil no
Brasil.
Sem dúvida, é preciso continuar a
avançar no caminho da garantia dos direitos infanto-juvenis, chamando a atenção
da sociedade como um todo e de diversos órgãos de governo para a importância da
efetivação do princípio constitucional da prioridade absoluta do atendimento
aos direitos infanto-juvenis.
Essa é uma tarefa de todos(as)
nós, que se potencializa com iniciativas como a rede da Aliança Nacional de
Adolescentes – ANA, que significa a realização do próprio direito à
participação de crianças e adolescentes, efetivada por meio de um processo que
potencializa o exercício da cidadania por parte desses sujeitos de direito.
Recife, junho de 2014.
xxx
[1] Advogado militante pelos Direitos Humanos de Crianças e
Adolescentes, Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco
– UFPE, professor da Escola de Conselhos de Pernambuco/Universidade Federal
Rural de Pernambuco - UFRPE e Chefe de Divisão de Criança e Adolescente da
Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SDSDH) da Prefeitura
do Recife.
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